O progresso tecnológico sempre foi um importante aliado, quando devidamente utilizado, na mitigação dos efeitos das crises e não será diferente na luta contra a pandemia de Covid-19. Tanto assim é que vários países da União Europeia (UE) e a nível mundial já anunciaram o recurso a aplicações móveis com diferentes funcionalidades para o combate à pandemia.
No entanto, o surgimento de aplicações móveis alimentadas por dados pessoais dos cidadãos da UE traz associadas algumas preocupações relativas a protecção e privacidade desses dados, pelo que veio a Comissão, no dia 17 de Abril de 2020, emitir orientações respeitantes a aplicações móveis de apoio à luta contra a pandemia de Covid-19 na perspectiva da protecção de dados (2020/C 124 I/01).
Segundo a Comissão, estas aplicações a serem instaladas nos smartphones e outros dispositivos similares dos cidadãos podem, por um lado, apoiar as autoridades de saúde pública (quer a nível nacional, quer a nível da UE) na monitorização e contenção da pandemia, pois permitem orientar os cidadãos e rastrear os contactos entre os mesmos, o que será especialmente relevante na fase de levantamento das medidas de contenção.
Por outro lado, a eficácia destas aplicações ficará dependente das características e nível de utilização pela população. Por esta razão, é imperioso que os direitos fundamentais sejam respeitados e que os dados sejam apenas utilizados para os fins especificamente definidos. Isto, sem nunca olvidar que o objectivo é exclusivamente o de combate à pandemia e que aquelas não serão, portanto, utilizadas para vigilância em larga escala.
Dado o grau de ingerência na privacidade e nos dados pessoais dos cidadãos, a Comissão vem assim identificar as soluções menos intrusivas e conformes com os requisitos em matéria de protecção de dados pessoais e privacidade.
Desde logo, é esclarecido que estas aplicações, na medida em que afectam o direito à confidencialidade das comunicações, apenas poderão ser utilizadas de forma voluntária e nunca impostas aos cidadãos, o que apenas seria possível através de uma medida legislativa que seja necessária, adequada e proporcionada, para proteger determinados objectivos específicos, de acordo com a Directiva da Privacidade Electrónica (DPE).
Ademais, encontra-se igualmente clarificado que estas aplicações móveis deverão ser desactivadas o mais tardar quando a pandemia for declarada sob controlo, bem como deverão incluir as protecções de segurança da informação mais avançadas.
Âmbito de aplicação e funcionalidades
Ainda que estas orientações da Comissão não detenham carácter vinculativo, as mesmas incidem sobre as aplicações móveis de utilização voluntária para apoio na luta contra a pandemia de COVID-19 com uma ou várias das seguintes funcionalidades: (i) fornecimento de informações exactas aos cidadãos sobre a pandemia de COVID-19; (ii) fornecimento de questionários para autoavaliação e orientação dos cidadãos (funcionalidade de controlo de sintomas); (iii) alerta das pessoas que tenham estado na proximidade de uma pessoa infectada durante determinado período de tempo, de modo a fornecer informações como a recomendação de auto-quarentena ou a indicação dos locais de realização de testes de diagnóstico (funcionalidades de rastreio de contactos e alerta); (iv) criação de um fórum de comunicação para médicos e pacientes em situação de auto-isolamento e para os casos em que é prestado aconselhamento ulterior em matéria de diagnóstico e de tratamento (maior utilização da telemedicina).
Elementos para uma utilização responsável e confiável das aplicações
Para além disso, e sendo consabido que estas funcionalidades podem ter um impacto significativo num vasto conjunto de direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, como a dignidade do ser humano, o respeito pela vida privada e familiar, a protecção dos dados pessoais, a liberdade de circulação, a não discriminação, a liberdade de empresa e a liberdade de reunião e de associação.
Deste modo, a Comissão veio igualmente apresentar um conjunto de elementos para uma utilização responsável e confiável das aplicações, por forma a limitar o carácter intrusivo daquelas funcionalidades e a assegurar o cumprimento da legislação da UE em matéria de protecção dos dados pessoais e da privacidade. São estes:
a) A instalação da aplicação nos dispositivos deve ser voluntária e não devem existir consequências negativas para a pessoa que decida não a descarregar ou utilizar;
b) As diferentes funcionalidades das aplicações (por exemplo, funcionalidades de informação, controlo de sintomas, rastreio de contactos e alerta) não devem ser agrupadas, de modo a permitir que as pessoas possam dar o seu consentimento separado para cada uma das funcionalidades, mas tal não deverá impedir o utilizador de combinar diferentes funcionalidades da aplicação, se o fornecedor oferecer essa opção;
c) Se forem utilizados dados de proximidade (dados gerados pelo intercâmbio de sinais de baixo consumo energético do Bluetooth (BLE) entre dispositivos a uma distância epidemiologicamente relevante e durante um período epidemiologicamente relevante), os dados devem ser armazenados no dispositivo da pessoa;
d) Se esses dados se destinarem a ser partilhados com as autoridades de saúde, só o devem ser depois da confirmação de que a pessoa em causa está infectada com a COVID-19 e na condição de esta escolher fazê-lo;
e) As autoridades de saúde devem fornecer às pessoas todas as informações necessárias relacionadas com o tratamento dos seus dados pessoais (em conformidade com o RGPD e com a DPE);
f) A pessoa deve poder exercer os direitos que lhe assistem ao abrigo do RGPD (em particular, acesso, rectificação e apagamento) e qualquer restrição dos direitos ao abrigo do RGPD ou da DPE deve, em conformidade com estes actos, ser necessária, proporcionada e estar prevista na legislação;
g) As aplicações devem ser desactivadas o mais tardar quando a pandemia for declarada sob controlo e a desactivação não deve depender da desinstalação pelo utilizador.
Por outro lado, o European Data Protection Board (EDPB) também já publicou as suas guidelines neste tema, em 21 de Abril, estando as mesmas disponíveis para consulta aqui.